Não é só por 10 minutos!
por Mulheres por + Direitos
14 jul 2021, 18:49 Tempo de leitura: 6 minutos, 16 segundosNo último dia 01 de Julho, a imprensa local noticiou que a empresa Assistpark havia cortado a tolerância de 10 minutos na Zona Azul para quem utiliza o cartão de papel, ou seja, permanecendo a tolerância para quem utiliza o aplicativo. Segundo a empresa, a medida foi necessária porque a Prefeitura não reajustou a tarifa que, para a empresa, deveria ser de R$ 3,50 por hora e afetaria apenas 25% dos usuários. Em resposta, a Prefeitura suspendeu a cobrança da Zona Azul em cinco ruas da cidade (Alameda Porcelana, Alameda Caulim, Alameda Terracota, Alameda Faiança e Rua São Jorge do Boulevard São Caetano até a Rua Mato Grosso.
Em primeiro lugar, o nosso posicionamento é claro: somos contrárias ao aumento da tarifa e também ao fim da tolerância de 10 minutos. O período de 10 minutos é o mínimo para garantir que a/o motorista consiga se deslocar até um estabelecimento que vende o cartão da Zona Azul e volte para colocar em seu veículo, além disso, serve para pequenas compras nas zonas comerciais, ou seja, a medida não irá impactar só os usuários do serviço mas também, em especial, os pequenos comerciantes que devido a crise do coronavírus seguem em situação bastante crítica. Em relação ao preço, o pedido da empresa é completamente descabido, o reajuste para R$ 3,50 colocaria a nossa cidade com a maior tarifa do ABCDMRR.
Mas queremos aprofundar essa discussão, afinal, o problema não é só por 10 minutos!
O contrato entre a Prefeitura e a Assistpark foi firmado em 2014 e tem prazo de 10 anos, podendo ser prorrogado por mais 10 anos. De fato, no contrato não há previsão da tolerância de 10 minutos, um erro óbvio cometido pela gestão municipal da época. A previsão da receita anual era de R$ 2.980.800,00 e em 10 anos beirando os 30 milhões de reais, abatidos os custos com impostos, repasse ao poder público, impressão dos cartões, aluguel do centro de operação, despesas administrativas, salários e etc estamos falando de um lucro mensal de 320 mil reais por ano, possibilitando que o dono da Assistpark colocasse em seu bolso, ao final da primeira rodada do contrato, mais de 3 milhões de reais só em São Caetano, visto que a empresa também opera em Diadema e em Itapevi.
De toda essa matemática queremos focar em 2 pontos: o repasse ao poder público e o salário dos trabalhadores. No primeiro, a empresa destina 12% para a Prefeitura, ou seja, algo em torno de R$ 30.000,00 por mês. Importante notar que todos esses valores são estimativas e tudo leva a crer que pela lógica de alto número de notificações (a famosa “multinha” de 20 reais) essa taxa de lucro possa ser ainda maior, por isso, entraremos com pedido via Lei de Acesso a Informação para ter acesso ao detalhamento desses dados.
Esse recurso vai para o Fundo Municipal de Transporte e Assistência ao Trânsito (FATRAN) criado pela lei 4011 de 19 de novembro de 2001 e é gerido pelo seu Conselho Diretor que possuí 07 membros com a seguinte composição:
1- Diretor da Diretoria de Trânsito e Vias – DTV,
2- Assessor da Diretoria de Trânsito e Vias – DTV,
3- Representante do Departamento de Economia e Finanças
4- Representante do Departamente de Urbanismo, Obras, Habitação e Meio Ambiente.
5- Representante do Poder Legislativo indicado pelo Prefeito
6- Representante da Associação Comercial indicado pelo Prefeito.
As nomeações são desatualizadas por ser uma lei antiga, mas aqui já há um grave problema, não há no site da Prefeitura qualquer referência ao Conselho Diretor do FATRAN e a sua atual composição. Por isso, apresentaremos um pedido de informação para ter acesso a atual composição e exigir que essa seja uma informação pública no portal da Prefeitura, afinal, é nesse espaço que é decidido para onde vai parte do dinheiro que você paga na Zona Azul e que deveria voltar para a cidade com serviços de mobilidade urbana.
Ou seja, além de apenas uma pequena parte dos recursos da Zona Azul voltarem para a cidade, não está nada claro para onde ele vai e como é utilizado.
O outro centro da discussão é que, apesar das cifras milionárias dos parágrafos acima, toda essa estrutura de fiscalização e cobrança da Zona Azul é sustentada sobre os ombros de trabalhadores com longas jornadas de trabalho, que ficam expostos a sol e chuva e ainda são mal remunerados. No contrato de 2014 a previsão de pagamento era de 820 reais, hoje, segundo o site Trabalha Brasil a média salarial é de menos de 1200,00 reais.
Em síntese, temos um serviço que é amplamente rechaçado pela população, afinal, quem nunca ficou em uma longa fila para pagar uma notificação que passou 1 minuto? E mais ainda, pouco transparente e sustentado sobre o trabalho mal remunerado das trabalhadoras e trabalhadores. Mas depois de tudo isso você pode estar pensando que somos contrárias a política de Zona Azul, certo? Errado, a política de tarifas para estacionamento nas zonas centrais (e não em áreas habitacionais como acontece em nossa cidade) é uma importante medida de controle do uso dos carros se estiver direcionada pela lógica do direito à cidade e não do lucro dos empresários.
Nesse sentido, temos bons exemplos internacionais e nacionais. Em Londres, por exemplo, há a cobrança de um pedágio urbano para acessar as zonas centrais por carro, o que estimula as pessoas a utilizarem o transporte público ou modais alternativos como ir a pé ou de bicicleta. Em uma cidade com 15km² essa é uma importante orientação para termos um futuro menos dependente da queima de combustíveis fósseis, mas e o dinheiro que é arrecadado? O dinheiro arrecadado com o pedágio urbano foi utilizado, por exemplo, para renovar a frota dos ônibus para modelos 100% elétricos ou híbridos (com uso de eletricidade e combustão), essa medida já atingia em 2017 48% da frota da cidade. Essa deveria ser uma linha prioritária da nossa Prefeitura, fazer uma verdadeira transformação na frota dos ônibus da cidade e com foco em energias renováveis.
Outro exemplo é o da cidade de Fortaleza, onde todo o recurso da Zona Azul é destinado para o projeto Bicicletar e já são 188 bicicletários municipais com o uso de bicicletas compartilhadas, ou seja, um outro desafio para a cidade é pensar a bicicleta para além do lazer de domingo na Avenida Goiás e Kennedy, mas sim, como modal de transporte dentro da cidade. Tudo isso, gerido pela Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania, mostrando que o que é público pode ser bom e vanguardista. Que tal pensarmos em bicicletários municipais que conectem os principais pontos da cidade a estações de ônibus e da CPTM?
Em síntese, nos próximos dias avançaremos na luta por informações sobre o funcionamento da Zona Azul e queremos discutir um outro modelo de circulação de pessoas na cidade. Podemos cada vez mais deixar o carro em casa e transformar a circulação na direção de parâmetros mais ecológicos e, para isso, a Zona Azul pode ser parte da solução e não do problema. Afinal, não são só 10 minutos.