100 anos de Paulo Freire!
por Beatriz Carvalho (Militante do Emancipa e do EduPovo)
19 set 2021, 18:00 Tempo de leitura: 3 minutos, 12 segundosHá 100 anos, na Estrada do Encantamento, 724, no bairro Casa Amarela, em Recife (PE), nascia Paulo Reglus Neves Freire, perpetuado na história como Paulo Freire. Temido pelas elites desde a época de João Goulart e hoje na época de Bolsonaro. Isso porque a pedagogia de Paulo Freire é uma pedagogia para homens livres, o que contraria os interesses da classe dominante.
Aqui, o aprendizado está entrelaçado à tomada de consciência da situação real vivida pelo educando. Isso não se faz de forma alguma com imposições de visão de mundo, como acusam defensores do Escola Sem Partido e afins, mas com a participação livre e crítica dos educandos. Um dos instrumentos utilizados por Freire para isso foram os círculos de cultura, em que antes do início da alfabetização o coordenador apresentava algumas imagens (sem palavras) que propiciavam debates sobre as noções de cultura e de trabalho, objetivando o reconhecimento por parte dos educandos como si mesmos criadores de cultura. Na etapa seguinte, projetava imagens acrescidas das chamadas “palavras geradoras”, referenciadas nessas situações reais. Cursinhos populares – de forma adaptada às nossas realidades, como bem cabe às formulações e práticas freireanas – se inspiram hoje nessa prática para discutir os mais diversos assuntos de forma ampla e democrática, como violência contra a mulher, racismo estrutural, marco temporal, transposição do Rio São Francisco, política de drogas e diversos outros temas.
As elites sempre se incomodaram que essa pedagogia da liberdade traz o gérmen da revolta. Isso porque a conscientização abre caminho para a dúvida da legitimidade do sistema político, econômico e social em que vivemos. Por óbvio não por vender uma fantasia, mas por desnudar componentes reais da situação de opressão vivida, reconhecidos pelos estudantes. Se muitos trabalhadores recém-alfabetizados organizaram greves na época de Paulo Freire é porque eles próprios viram a problemática em que se encontravam nos locais de trabalho e tiveram por suas próprias conclusões a greve como um caminho legítimo para a luta pelas mudanças. Se muitas meninas, ainda jovens, se organizam hoje em coletivos feministas em suas escolas é porque elas mesmas, a partir da educação, mesmo novas já enxergam tanto o machismo quanto esses coletivos como um instrumento legítimo de auto-organização. Se a juventude ocupou escolas contra o fechamento de unidades escolares e de ciclos de ensino por todo o estado de São Paulo, é porque ela própria viu o absurdo e o tamanho do ataque a educação que isso significava, reconhecendo na ocupação o melhor caminho para se opor a essa situação opressora, de ataque ao direito à educação pública, gratuita e de qualidade.
Por fim, quando Bolsonaro, MBL ou qualquer outro agente do capital ataca Paulo Freire com mentiras, como a direita também já fez na época do Plano Nacional de Alfabetização no Governo João Goulart, está atacando a ideia de um povo com pensamento crítico. Não à toa Bolsonaro é defensor desse período tão sombrio que sucedeu o golpe de 1964. Um período de censura, perseguições (inclusive de Paulo Freire, que se exilou fora do Brasil), retrocesso de direitos sociais e de participação popular. Mas, seguimos como sugere Paulo Freire: seguros do nosso sonho político, com táticas adequadas e coerentes, prosseguindo na luta.
“É que, ao pôr em prática um tipo de educação que provoca criticamente a consciência do educando, necessariamente trabalhamos contra alguns mitos que nos deformam. Ao contestar esses mitos enfrentamos também o poder dominante, pois que eles são expressões desse poder, de sua ideologia.” (Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar – Paulo Freire)